Os Pais dos Outros é um livro de uma grande violência sublimada pela linguagem literária. Escreveu sobre pais brutais, com excepção do seu, no conto inaugural. Trata-se de uma obra com uma preocupação de justiça?.O título é ambíguo. Os pais dos outros não são obviamente como o meu, mas também os considero, na sua violência, uma minoria. Quis fazer justiça a meu pai, que tinha defeitos, mas nunca me faltou com o seu amor, escrevendo com a consciência de que a infância, dos zero aos dez anos, é o chão, a base de toda a nossa força e segurança. As dores da vida chegam, claro, mas de outra forma... A família pode ser o lugar da maior violência infantil. Os Pais dos Outros conta, ainda, a história de Itália do ponto de vista da paternidade, sobretudo a partir da II Guerra Mundial, O primeiro conto é uma dedicatória a meu pai..Ou então uma epígrafe do livro?.Ou isso. O segundo conto, O Pai do Mario, é a história do meu avô. O meu pai, ao saber que o meu avô tinha ameaçado a mulher com um machado, regressa a casa e quase o mata. Por causa disso, ficará um homem receoso o resto da vida. Dediquei este livro a meu filho, Rolando, e a Mufasa, o pai do Rei Leão. Nesta história, Walt Disney refaz o enredo de Hamlet, de Shakespeare..Escreve não tanto sobre o mal metafísico, mas sobre o mal moral e físico. Lado a lado com a reflexão, quis elaborar um discurso de compaixão?.Escrevi este livro sob o signo da pietas. Atravessa-o uma imensa ternura pelo sofrimento dos outros. Todos os contos partiram de um facto real, fundindo-se depois realidade e ficção. O mal em literatura é sempre menor do que na vida. A realidade consegue ser pior. O mal é absoluto, o bem não. Uma gota de água pura num copo de veneno nada altera; uma gota de veneno em água pura contamina tudo..Mas o seu livro é a água pura dentro do veneno. Sempre vale a pena lutar?.Acho que sim, para que não sejamos vítimas do mal. Sou uma lutadora. Todos os meus livros estão repletos de sentido de justiça. Enraiveço perante a brutalidade. Mario e Sandro, nos meus contos, reagem violentamente contra a violência. Compreendo-o, é legítimo..Como se justifica o injustificável? Como se lida com o sofrimento dos inocentes?.Não sei, talvez por isso escreva. Faço-o para entender. A crítica tem dito que os meus livros são terapêuticos. Acabei por acreditar de tanto o ouvir. Pelo menos, a escrita dá- -me um certo conforto, como se se tivesse tomado um comprimido contra a dor. Em Os Pais dos Outros, vinguei-me dos pais violentos, puni-os, dei uma oportunidade aos filhos. Vivemos num mundo desequilibrado em que a cobardia abunda. São sempre os fracos, sejam os animais, sejam as pessoas, a sofrer mais. Talvez por isso as mulheres tenham sofrido tanto, pela sua fraqueza física. Este livro poder-se-ia chamar Os Maridos das Outras..As mulheres neste livro surgem frágeis, por vezes injustas. São ausentes ou omissas em relação aos filhos. Também há mães violentas, não só pais....O livro sobre a violência das mães, intitulado A Monstruosidade Materna, está pronto. Esteve para ser publicado juntamente com este, mas o editor não quis. Nele falo desse tipo de violência, não tanto física, mas de outra ordem. Aqui, em Os Pais dos Outros, as mulheres são como sombras, porque o mal masculino é tão forte que elas têm medo, tentam ajudar os filhos até certo ponto, mas isso poderia significar mais brutalidade. Então tentam equilibrar o mal. A família é desequilíbrio desde que se forma. Os psicólogos dizem que o momento familiar mais frágil é o do nascimento, aquele em que, curiosamente, os homens mais traem..Por se sentirem preteridos?.Também e porque sentem que perdem liberdade. É algo extremamente cruel. A mulher fica, como numa tempestade, centrada no filho, sentindo-se frágil, deformada fisicamente, a ver o homem fugir....A antropologia dos sentimentos é um exercício perigoso. O amor dir-se-ia uma construção permanente no seio de uma teia de relações de poder?.Claro que é. Evoluiu-se alguma coisa, as famílias modernas são melhores, embora haja mais divórcios. Considero, no entanto, que é preferível crescer com os pais separados a tê-los juntos, havendo, neste último caso, violência. Quando as pessoas querem demasiado da vida, tornam-se perigosas na medida em que se acham com direito a tudo. Quando se mantém um casamento por questões económicas ou apenas em nome de uma suposta união familiar, surgem o rancor e o desequilíbrio. O mal gera o mal..Que se combate como?.Quem é dele vítima tem de reagir. Se tivermos que ser violentos que o sejamos com quem nos fez mal e não com os fracos, muito menos se o elo mais frágil for o nosso filho..Avelina vive entre o desejo do padrasto e a morte do pai, figura tutelar?.O pai morto é a protecção a quem Avelina diz "Tu morreste e por essa culpa que tens e não tens aqui morre toda a minha vida." Denuncio o silêncio. Os meninos são os primeiros a calar. É difícil levar uma criança a dizer que sofreu..Tantos filósofos, de Spinoza a Ricoeur, pensaram sobre o mal. Acha que a literatura o torna mais inteligível?.A filosofia tentou explicá-lo, a literatura desenha-o, mostra-o. É o que a arte, em geral, tenta fazer..No seu livro há repulsa pela violência a que são submetidas as crianças. Admite existir algum fascínio, no sentido de este ser um material rico, incendiário?.Homero dizia que o único sentido do mal é ser cantado pelos poetas. Sinto uma grande atracção pela violência quando esta reage à violência. Ou seja, quando se torna legítima. Acabo de publicar, em Itália, Esecuzione(Execução) a história de uma mulher que mata o marido, transformando-se num herói medieval. E fá-lo porque acredita que ele é um monstro, alguém que tenta sujar uma alma pura. Trata- -se de uma obra sobre as perversões sexuais. Como epígrafe, escolhi a frase do iluminista Diderot: "Os malvados não têm de ser punidos, têm de ser eliminados." Esta dir-se-ia a revolta que sinto pela violência gratuita. .Há escritores atraídos pelo fenómeno do abjecto, como Céline, por exemplo. Não é o seu caso....Não, gosto muito de Céline como escritor, mas não sinto fascínio pela forma como ele capta o mal na sua identidade e manifestação. Posso entender o mal que constrói algo, entendo, nessa medida, a violência como legítima defesa. Quando é inútil, sou contrária ao perdão. Se o meu filho estivesse a ser assassinado, tentaria salvá-lo. Não pensaria na lei.